Estamos num bom momento para derrubarmos a crença que o mundo será salvo por um super-herói, um gênio, um político ou qualquer outro tipo de messias. Essa ilusão nos leva a ficar à espera de um milagre vindo do além e destrói a capacidade de termos iniciativas criativas e originais.
A 5ª habilidade destacada no ranking do “Relatório Futuro do Trabalho” do Fórum Econômico Mundial desmitifica a supremacia dos “Seres Criativos”, já que a tecnologia nos mostra que é muito mais fácil integrar conhecimentos entre máquinas do que entre seres humanos. Ao mesmo tempo essa habilidade nos convida a resgatar a originalidade oriunda da essência do ser humano para que sejamos capazes de promover iniciativas que resolvam a imensidão de desafios presentes do atual cenário.
IDEIAS REBELDES
Inspirada no livro do jornalista Matthew Syed, Ideias Rebeldes: A Diversidade de Pensamento Transformando Mentes quero fazer 3 provocações:
1. Como ser criativo sem diversidade cognitiva?
“Como é inteligente uma pessoa que pensa igual a mim” costuma comentar Fábio Barbosa, que presidiu o Banco Santander, em suas palestras.
Diversidade cognitiva é a inclusão de pessoas que têm estilos diferentes de solucionar problemas e podem oferecer perspectivas únicas porque pensam de maneira diferente. Observe que não estou falando apenas de raça, gênero ou religião.
Considerar diferenças de opiniões, visões divergentes e diferentes bases experienciais costuma ser desafiador no ambiente profissional e familiar, mas uma condição primordial para sermos criativos, pois o resultado é uma perspectiva mais rica e precisa do mundo.
2. Como ser original estando num ambiente homofílico?
Homofilia é um termo oriundo da biologia que mostra a semelhança que se deve a uma mesma origem ou a um antecessor.
Observe como nossas redes de contato estão cheias de pessoas com experiências, visões e crenças semelhantes, isso além de dificultar a percepção de originalidade de nossa identidade, acaba produzindo clones e que muitas vezes podem assemelhar-se a zumbis por conta da osmose social que nivela à medida que as pessoas convergem para as suposições dominantes.
Veja o exemplo trazido pelo livro: O que você esperaria de alguém que mora dentro de uma caverna, não muita coisa, certo? E se esse alguém elaborou um plano que marcou o dia 11 de setembro? Com esse exemplo você consegue entender o impacto da homofilia na originalidade?
Segundo mostram vários artigos científicos e livros, o grupo de pessoas mais bem selecionado e preparado do planeta não foi capaz de prever o 11 de setembro por serem muito semelhantes e por isso verem o mundo de uma forma muito obtusa.
3. Como ter iniciativa estando dentro de uma câmara de eco?
Pensar que você só consume aquilo que você escolhe é uma utopia, nossos estilos de vida estão muitas vezes baseados em escolhas influenciadas por crenças e ideias que não são nossas.
Câmara do eco é uma descrição metafórica de uma situação em que informações, ideias ou crenças são amplificadas ou reforçadas pela comunicação e repetição dentro de um sistema definido. Sem perceber, cada um de nós vive numa câmara cercados por clones iguaizinhos a nós mesmos.
Dentro desse ambiente, as fontes dominantes continuamente são inquestionáveis e opiniões diferentes ou concorrentes são censuradas ou desautorizadas. Alguma semelhança com o dia a dia das suas redes sociais ou com o atual cenário político?
A maioria desses ambientes dependem de doutrinação e propaganda, a fim de disseminar informação, sutil ou não, de modo a atrapalhar os que estão presos na câmara e a evitar que tenham habilidades de pensamento cético necessárias para duvidar do eco.
O efeito mais nefasto é que quando estamos nessa câmara nos sentimos incapazes de tomar decisões e assumir iniciativas, pois nela somos conduzidos a uma postura extremamente crítica a qualquer coisa diferente do eco.
CRIATIVIDADE, ORIGINALIDADE E INICIATIVA NA PRÁTICA
Pessoas que foram criadas numa realidade muito diferente de seus modelos mentais, como por exemplo os imigrantes, são um bom exemplo sobre a relevância dessa habilidade. Por serem privados da homofilia, por serem retirados de suas câmaras de eco são expostos a altas doses de diversidade cognitiva por conviverem em outro status quo e experimentarem novos paradigmas o que reduz seus pontos cegos estimulando a criatividade, originalidade e inovação:
Como exemplo disso temos: Walt Disney, Henry Ford e Elon Musk.
Temos também inúmeros casos brasileiros, por exemplo: a família Nakaya, fundadora da Sakura, a família Saraiva, fundadora da rede de fast food Habib’s e a família Bauducco.
Entretanto, se você não é um imigrante vivendo em terras estrangeiras, e, ainda assim quer aprender a ter uma boa mistura desses três elementos, sugiro as dicas a seguir:
DICAS PARA DESENVOLVER ESSA HABILIDADE
- Use sua experiência como combustível para sua criatividade; encare os seus problemas como oportunidade de aprender coisas novas
- Você não precisa deixar de ser você para ter sucesso, invista em seu autoconhecimento para identificar suas forças, talentos, virtudes e valores
- Não espere por um milagre, tome iniciativa tenha uma atitude proativa perante os desafios e seja um exemplo de ser humano na vida profissional e pessoal
Sugiro alguns livros para entender um pouco mais sobre as armadilhas que comentei nesse artigo e como evitá-las:
- Rápido e Devagar: duas formas de pensar de Daniel Kahneman
- Previsivelmente Irracional de Dan Ariely
- Misbehaving de Richard Thaler
PARA PENSAR NA CAMA
E como última reflexão deixo um trecho do discurso de David Foster Wallace no Kenyon College em 2005, sobre a cegueira de perspectiva, classificado pela Time como um dos melhores discursos de boas-vindas já registrados.
Ele começa falando de um tanque de peixes. “Dois peixes jovens estão nadando e encontram um mais velho indo para outro lado, que acena com a cabeça e diz: “Bom dia, rapazes, como está a água?” E os dois jovens peixes continuam nadando, até que se olham e um deles diz: “Que diabos é isso de água?”
Por Rebeca Toyama – Fundadora da ACI