O que chamamos de crise da COVID-19 seria apenas uma crise sanitária ou estamos vivendo uma espécie de choque entre diversas crises que se alimentam mutuamente?
Neste caso, a crise, que além de sanitária se coloca também como crise da articulação psicossocial, estaria desempenhando uma das funções inerente a qualquer crise: escancarar as contradições e conflitos que até então mantinham-se encobertos e negados, como por exemplo a forma como as pessoas vinham conduzindo suas vidas profissionais, de certa forma fingindo que estava tudo bem. E a chegada da crise fez com que as pessoas relembrassem da responsabilidade por seu destino.
A pandemia nos aprisionou num cenário de impotência, mas ao mesmo tempo reacendeu temas como propósito e sentido da vida, o que para muitos significa empreender. Palavra que costuma trazer consigo o medo do descontrole e do desconhecido.
Frente aos perigos iminentes, além da paralisação, a reação mais comum é a busca por soluções rápidas, generalistas e definitivas. Marcadas pela exigência de produtividade e competitividade, que nos faz responder à urgência de forma impulsiva com ações imaturas e, consequentemente, resultados diferentes dos desejados.
Impõe-se, então, um paradoxo: não fazemos nada e ficamos à espera de uma solução da ciência ou de que alguém faça algo por nós. Ou num ato de bravura começamos a empreender em diferentes áreas de diversas formas, sem refletir, planejar ou conversar com alguém que já tenha experiência nesse percurso.
E no ritmo da urgência, tendemos a negligenciar o tempo necessário para identificar o que realmente queremos e encontrar caminhos que nos levem onde realmente queremos chegar.
Isolados, acabamos nos sentindo inaptos para tudo decidir e até mesmo refletir sobre o futuro. A uma sociedade, marcada por uma cultura do elogio ao indivíduo, ao consumo e às respostas apressadas, parece ainda mais urgente se saber que peça queremos ser numa engrenagem que nos extrapola, pois é essa percepção que nos ajuda a transformar nosso propósito num negócio.
É ilusão acreditar que produziremos sozinhos, da noite para o dia, um projeto imbatível. Todavia desenvolver habilidades como a colaboração, a interdependência e caminhar em direção ao coletivo e à cooperação, possa trazer respostas que nos levem a realizar nossos negócios futuros.
Buscar pessoas mais experientes nas áreas de atuação pretendida, aprender com profissionais que já superaram desafios comuns à nossa situação ou criar redes colaborativas, além de acelerar o crescimento do negócio, afastará o sentimento de solidão que habita a vida de muitos empreendedores.
Desde 2010 atuo ativamente não apenas mentorando profissionais, mas também implantando programas em empresas e promovendo grupos de mentoria. Como militante dessa metodologia de aprendizagem, tenho ficado bastante contente com o crescimento da relevância do mentoring no Brasil, mas também tenho ficado apreensiva com a banalização da palavra.
Mentoria é uma troca, na qual o estímulo maior é que cada indivíduo se aproprie de sua história, de sua biografia e de seu projeto de vida. A etimologia da palavra “Mentor”, um personagem de 2.800 anos, vem do nome de um amigo do conselheiro de Ulisses, que tomou para si a responsabilidade de educar Telêmaco, enquanto seu pai participava da Guerra de Tróia e de outras peripécias contadas em Odisséia, escrita por Homero.
O mentoring é uma parceria desenvolvida entre mentor e mentee com objetivo no desenvolvimento mútuo, na qual os dois irão crescer profissional e pessoalmente. Nesse processo são identificadas oportunidades e lacunas no desenvolvimento do negócio ou do profissional. E a condição primordial para alguém ser chamado de mentor é que essa pessoa tenha apresentado uma jornada de sucesso, tenha vasta experiência em determinado negócio, além é claro de uma conduta ética e ilibada.
Como qualquer outro projeto, empreender demanda metodologia e estratégia, por isso compartilho abaixo alguns passos que costumo propor aos empreendedores aspirantes:
- Identifique 3 negócios que te inspiram independentemente se estão na sua área de interesse. Extraia de cada um deles o máximo de aprendizados divididos em: o que devo fazer e o que não devo fazer.
- Identifique 3 negócios que possam ser seus possíveis concorrentes – aqueles que possam ser uma opção aos seus futuros clientes. Extraia de cada um deles o máximo de aprendizados divididos em: o que devo fazer e o que não devo fazer.
- Converse com 2 pessoas que possuam experiência positiva empreendendo em sua área de interesse. Extraia de cada um deles o máximo de aprendizados divididos em: o que funciona e o que não funciona.
- Converse com 2 pessoas que possuam experiência negativa em sua área de interesse. Extraia de cada um deles o máximo de aprendizados divididos em: o que funciona e o que não funciona.
- Transforme os aprendizados em ação e depois dessas 10 experiências acima você estará mais preparado para começar a colocar suas ideias no papel ou aprimorar seu projeto.
- Agora vem uma parte importante, apresentar para 3 pessoas e pedir a opinião delas, cuide para que essas pessoas sejam diferentes uma da outra para que você receba diferentes opiniões.
- Aprimore seu projeto e desenvolva a oferta do produto e serviço. Monte uma boa apresentação, pois agora chegou a hora de apresentá-lo para 3 possíveis clientes, isto é, pessoas que possuam as características de quem você gostaria de atender. Dessa conversa extraia a percepção de valor e preço que seu serviço ou produto fazendo perguntas como: Quando você acha que vale? Qual preço você pagaria? O que faria você contratar? O que você mudaria?
Como você pôde notar, não há uma resposta pronta, mas existem formas de encontrá-la.
Pesquisar, explorar e fazer perguntas para quem pode nos trazer partes dessas respostas: as empresas que nos inspiram através de seus valores, os concorrentes com seus modelos de negócio, as pessoas com suas expectativas e necessidades e os mentores com sua experiência e sabedoria.
Ainda que em um cenário nebuloso como o que vivemos, há meios de alçarmos voos mais ousados, se buscarmos com humildade e com vontade genuína de colaborar e aprender com o cenário que se apresenta a nossa frente.
Rebeca Toyama – Fundadora da ACI